Aristóteles e Nietzsche contra o Iluminismo? Por Alasdair Macintyre
Alasdair Macintyre é um aristotélico que pressupõe uma abordagem de uma filosofia moral que analisa uma série de características complexas das sociedades contemporâneas.
No entanto seu projeto é largamente influenciado pela característica de tentar reviver uma concepção moral Aristotélica sustentada através de uma ética das virtudes.
Alasdair tenta propor diálogos interessantíssimos a partir de Marx, Aristóteles e Nietzsche . Diante disto já nos demonstra que a qualidade de sua reflexão exige que seja de alto nível, caso contrário estaria fadada ao fracasso completo.
Alasdair em depois da virtude mais especificamente no capitulo que trata do dialogo principal entre Nietzsche e Aristóteles, parte do seguinte diagnóstico; a nossa sociedade é predominantemente weberiana, talvez nem sempre em todos os aspectos mas o é.
Diferentes vertentes ideológicas colidiriam com esta afirmação; os liberais argumentariam que não existe uma única visão contemporânea do mundo; existe uma multiplicidade de visões oriundas da irredutível pluralidade de valores. Os socialistas argumentariam que a visão contemporânea do mundo é necessariamente marxista e que Weber estaria superado.
Em resposta a estas duas questões Alasdair afirma que em primeiro lugar no que concerne ao liberalismo, entende que acreditar numa pluralidade de valores é um tema necessariamente weberiano recorrente e fundamental.
E no que condiz aos marxistas podemos verificar que eles organizam e movem-se rumo ao poder, sempre se tornam e sempre se tornaram necessariamente weberianos mesmo que no que concerne ao discurso permaneçam marxistas.
Dito isto na nossa cultura não conhecemos movimento organizado que se pretenda rumar ao poder que não se constitua de um modo burocrático e administrativo na forma e não conheceríamos argumentos ou justificativas para a implementação de uma autoridade que não se dê através de uma forma weberiana ainda muito mais estratificada diante inclusive de uma possível tomada de poder.
Logo se o desenrolar narrativo citado acima por Alasdair estiver correto, a perspectiva weberiana de mundo não poderia ser racionalmente sustentada tendo em vista que;
Segundo o mesmo esta forma weberiana disfarça e dissimula, em vez de esclarecer, e depende de um disfarce e de um tipo de dissimulação para manter o seu poder.
No desenrolar desta argumentação Alasdair sustenta que ao nos perguntarmos sobre a questão da ideologia poderíamos seguir a seguinte interpretação partindo de Marx;
Quando Marx diagnosticou um novo significado para a palavra ideologia ele a lançou em seu trajeto, em alguns momentos ele o fez com relação a certos exemplos de fácil compreensão.
Por exemplo;
Os revolucionários franceses de 1789, segundo Marx, viam-se como possuidores das mesmas modalidades de existência moral e política que os antigos republicanos; assim, ocultavam de si mesmos seus papéis sociais de porta-vozes da burguesia. Os revolucionários ingleses de 1649, de maneira semelhante viam-se como os servos do Deus do Velho Testamento; e assim disfarçavam seu papel social.
Entretanto o que Alasdair menciona é que quando os exemplos peculiares de Marx eram generalizados numa teoria por ele próprio ou por outros, surgiam problemáticas e questões de tipo divergente.
“Nota minha”
Porém aqui vale a ressalva o que Marx pressupôs referente a seus diagnósticos através de seus aspectos teóricos metodológicos era o esgotamento da noção de ideologia e suas determinações ou seja o esgotamento das teorias, e não pretendia aplicar nada como método ao real mas pretendia através do esgotamento do processo de alienação ideológica promover aproximações da expressividade do movimento real do contexto social. Entretanto para uma apropriação politica talvez isso poderia ter sido e foi feito, mesmo estes apropriadores sabendo que não era a pretensão da teoria marxiana e em consequência do próprio Marx como vamos verificar através da continuidade da dissertação sobre as palavras da obra do Alasdair.
“Segue o texto”
Alasdair pressupõe que esta generalização de uma teoria ou diagnóstico provinha precisamente de sua tentativa de expressão desta mesma teoria a partir de um conjunto de generalizações uniformizadas que unem as condições materiais e as estruturas de classes das sociedades como tipos de causas às crenças ideologicamente instruídas como tipos de efeitos.
“Novo comentário”
Entretanto como foi exemplificado acima isso foi uma das consequências dos recortes políticos a partir da teoria marxiana que precisava ser simplificada para ser aplicada no todo real marxista como derivado e em consequência a obra de Marx foi extremamente suprimida e o que terminou por desembocar nas consequências que o Alasdair propõe imputando a Marx e Engels.
Segundo ele este seria o verdadeiro significado das formulações de Marx e Engels em A ideologia alemã o que é um equivoco.
Entretanto o diagnostico da deformidade da teoria da ideologia enquanto apropriação politica tornou-se mais um exemplo do tipo de pseudociência que, segundo a argumentação do autor de depois da virtude;
“tanto representa falsamente a forma das descobertas reais dos cientistas sociais quanto ela própria funciona como uma forma de expressão disfarçada de preferências arbitrárias”
Logo Alasdair apesar das acusações de falso cunho ou equivoco a Marx reconhece um aspecto de valor neste diagnóstico, pois se devemos elucidar que há uma determinada vontade arbitraria que exige ser atendida, nossa obrigação mesmo através de falsetes morais seria perguntar; atender a quem?
Ou seja se há uma vontade de afirmação arbitraria que seja proposta destes movimentos políticos derivados de Marx chamados de marxismos é porque há um contraponto, ou seja um outro conjunto de forças arbitrarias que estão instituídos, a partir desta reflexão Alasdair invoca Nietzsche.
O diagnóstico de Nietzsche a partir de uma flexibilidade vulgarizada do discurso moral moderno pode ter sido responsável por sua disseminação de rejeição.
E esta rejeição é uma das características da suposta filosofia moral de Nietzsche que a torna uma das duas opções teóricas genuínas pressupostas por Alasdair com que se depararia qualquer pessoa que possa a vir analisar a situação moral deste contexto cultural Por quê? Eis a questão.
Antes de adentrar Nietzsche Alasdair parece cometer outro equivoco a pressupor antes isso aqui;
“Se o caráter deontológico dos juízos morais é o fantasma das concepções da lei divina, que é completamente estranha à metafísica da modernidade, e, se o caráter teleológico é, de maneira semelhante, o fantasma das concepções da natureza e da atividade humanas, que também estão deslocadas no mundo moderno, devemos esperar que os problemas do entendimento e da atribuição de um status inteligível aos juízos morais continuem a surgir e a se demonstrar hostis a soluções filosóficas. Além de perspicácia filosófica, também precisamos do tipo de visão que os melhores antropólogos levam à observação de outras culturas, permitindo-lhes identificar objetos remanescentes e ininteligíveis não percebidos pelos que habitam essas culturas.”
Vamos contextualizar, o que Alasdair vai desenvolver posteriormente é o que nos parece estranho em termos de uma discordância de Marx.
Ele supõe um exemplo que em uma determinada tribo polinésia a palavra “Taboo” era utilizada em uma determinada situação, que seria no caso de mulheres sentarem a mesa com homens, mas ao serem questionados sobre esta impossibilidade os nativos se reduziam a repetir a tal palavra.
Ao serem questionados pelo significado desta mesma palavra os nativos pareciam não saber do significado originário desta mesma palavra ou seja apenas a reproduziam por um determinado costume fixado e a ligação da palavra com o contexto inicial de origem deste costume e deste termo ao que parecia a muito perdida.
O que Alasdair conclui? Prossegue afirmando que as leis que especificam proibições quase sempre, possuem uma história de dois estágios.
No primeiro estágio, pertencem a um contexto que lhes confere inteligibilidade ou seja uma relação de regra imediata compreensível e para isso usa a exemplo a Bíblia mais especificamente Deuteronômio .
Entretanto através das mudanças culturais inevitáveis essas palavras privadas de seu contexto original passam imediatamente a aparecer como um conjunto de proibições arbitrárias, como de fato costumam aparecer quando se perde o o entendimento inicial e de onde surgiram, logo quando são abandonadas são também esquecidas aquelas crenças que lhes serviam de fundamento e à luz das quais os determinados comportamento eram compreendidos.
O que Alasdair argumenta é que possivelmente as nossas leis e regras morais não podem ser explicadas a partir de totalizações teóricas diante deste exemplo, ou seja, o que explicaria a falta de inteligibilidade daquela manifestação dos polinésios seria própria inteligibilidade do momento e não um método generalizado.
O que é totalmente curioso pois diante do método teórico metodológico de Marx é justamente por um prisma bem parecido que Marx observa a manifestação da expressividade do real.
Ou seja não é o passado que explica o presente para Marx , mas o presente que explica o passado, ou ainda é a gênese e constituição mais complexa do momento presente que eu não compreendo que explica o mais simples ou seja o passado ou seja o que eu entendo.
O que se torna mais curioso ainda é o que vem a posteriori, ele evoca Nietzsche para contestar um suposto iluminismo que esteja permeado neste tipo de teoria que engloba a teoria marxista, que é possível que haja realmente estes resquícios mas ao que parece não nos termos que ele pretende no nosso entendimento.
Ele cita este trecho de a gaia ciência
Mas por que escutas a voz da tua consciência? O que é que te dá o direito de aceitar como verdadeiro e infalível semelhante juízo? Para essa crença- não há outra consciência? Uma consciência atrás da tua “consciência”? Teu juízo “isto é correto” tem uma pré-história em teus instintos, em tuas inclinações, em tuas antipatias e em tuas inexperiências; deves perguntar: “como esse juízo se formou?” E depois esta: “O que é que impele no fundo a escutá-lo?” (…) A firmeza de teu juízo moral poderia muito bem ser a prova de uma pobreza pessoal, de uma falta de individualidade, tua “força moral” poderia ter sua origem em tua teimosia ou em tua incapacidade de perceber um ideal novo! Em resumo: se tivesses pensando de uma forma mais sutil, tivesses observado melhor e aprendido mais, nunca chamarias “dever” e “consciência” a esse dever e a essa consciência que acreditas serem pessoais. (NIETZSCHE, 2007, § 335, p.185–186)
Neste sentido Alasdair tenta se valer de Nietzsche como ferramenta para destruir os pressupostos iluministas que segundo ele foram um dos responsáveis por descobrir fundamentos racionais para uma moralidade objetiva e para uma confiança do agente moral comum na cultura pós-iluminista e ainda de sustentar que seus métodos e seu discurso moral estão em ordem.
Entretanto Alasdair afirma que Nietzsche passa, então, a enfrentar o problema que esse ato de destruição criou.
A estrutura interna de sua argumentação é a seguinte: se a moralidade não for nada mais que expressões da vontade, minha moralidade só pode ser o que minha vontade criar.
Ou seja segundo sua interpretação ele entende que Nietzsche institui uma abertura para aquela sociedade weberiana que se baseia em uma pressuposta irracionalidade da vontade que constitui o todo social e afirma ;
“Quando aqueles que estão imersos na cultura burocrática desta era tentam raciocinar a respeito dos fundamentos morais do que são e do que fazem, descobrem premissas nietzscheanas suprimidas. E, por conseguinte, é possível prever com segurança que, nos contextos aparentemente bem improváveis das sociedades burocráticas modernas, surgirão movimentos sociais periódicos fundamentados exatamente nesse tipo de irracionalismo profético do qual o pensamento de Nietzsche é ancestral”
Entretanto não seria isso uma consequência do próprio diagnóstico já anunciado por Nietzsche? Muito mais do que consequência de sua influencia? No mais de certo Alasdair parece admitir isto em alguma medida quando compreende que a genialidade de Nietzsche se pressupõe a partir de seus questionamentos das bases morais de seu tempo.
A partir desta conclusão Alasdair entende que é hora de resgatar Aristóteles para suplantar a lacuna que Nietzsche deixa entreaberta;
Nietzsche também é o filósofo moral da presente época em outro aspecto. Já argumentei que a era atual é predominantemente weberiana em sua apresentação de si para si mesma; e também salientei que a tese principal de Nietzsche foi pressuposta pelas categorias centrais do pensamento de Weber. Conseqüentemente, o irracionalismo profético de Nietzsche — irracionalismo porque os problemas de Nietzsche permanecem irresolutos e suas soluções desafiam a razão — permanece imanente às formas administrativas weberianas da nossa cultura.
Aristóteles explora na Ética a Nicômaco somente para rejeitar que seja verdadeira: o bem para o homem consiste na posse da honra, sendo ela precisamente o que abarque e expresse a consideração dos outros. A razão de Aristóteles para rejeitar essa tese é digna de nota. Respeitamos os outros, diz ele, em virtude de algo que são ou fizeram para merecê-lo; a honra não pode ser, portanto, na melhor das hipóteses, mais que um bem secundário. Aquilo em função do qual a honra é concedida tem de ser mais importante.
ainda estamos trabalhando na conclusão do texto…