DELEUZE E O SISTEMA DA NATUREZA DE SCHELLING

Gap Filosófico [Decodex)
5 min readJul 27, 2021

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Por Alberto Gualandi ( Transcrito por Gap filosófico)

Gap filosófico

O Sistema da Natureza de Schelling

A história da filosofia repete seus transtornos e a radicalidade das filosofias da Natureza pré-socráticas, a pureza de seus atos iniciais de pensamento, tem um grande atrativo para pensadores de épocas diferentes. No período em que a grande síntese kantiana apenas terminava, Schelling criava uma filosofia que se opunha aos limites e as divisões próprios ao pensamento de Kant. Definindo um principio primeiro que é uma sintese de substancia spinozista e do eu absoluto de Fichte, Schelling relativiza as distinções
centrais do sistema kantiano.

As distinções fundamentais entre faculdades ativas e passivas, entre razão teórica e razão prática, são fundidas e tratadas como momentos abstratos do desenvolvimento global da Natureza-Espirito, até mesmo como dualismos derivados das fases criadoras onde o principio ativo e produtor, a Natura naturans, exprime
em uma Natura naturata extensa e passiva.

Na filosofia monista de Schelling, a Natureza espiritualiza-se
e ao mesmo tempo torna-se unívoca liberta-se da pluralidade de sentidos que Kant lhe atribuía. Podemos com efeito afirmar que, para Kant, “Natureza” como o “Ser” para Aristóteles diz-se” de varias maneiras e que o sistema kantiano articula essa pluralidade de significações marcando limites claros, mas traçando também passagens que as ligam. A “Natureza’’ mecanicista e causal da analítica transcendental distingue-se só da “ Natureza finalista” da Critica da faculdade do juízo. A “Natureza” representada pela Ideia de mundo na “Dialética transcendental” distingue- se da “Natureza” que é a ocasião do sublime ou que está simbolizada na obra de arte pelo “gênio”. O “juízo reflexionante” representa nesta articulação um papel importante e duplo, propondo-se como principio diretor da reflexão sobre a arte e sobre o vivo e, mais profundamente, determinando a divisão dos domínios da razão e do Ser (DR.
49.50; DRb, 72)
.

Sua função é produzir distinções bem nítidas, mas também, limitando-se ao bom funcionamento da hierarquia, relacionar o finito e o infinito, o vivo e o inanimado, o sensível e o supra-sensível, o natural e o sobrenatural.

A natureza biológica do vivo “edita” de modo teleológico, isto é, segundo um principio finalista de organização do corpo que está em correlação com a unidade e a totalidade do ser vivo e que não pode se resolver em simples relações causais e mecânicas. No que diz respeito a natureza biológica, é como se houvesse uma ideia que dirigisse suas relações: relações entre as partes de um organismo vivo, relações entre as espécies vivas dentro do “grande organismo” da Natureza. Além do mais, esta analogia com uma Ideia que unifica e organiza a multiplicidade das relações biológicas lembra-nos que isto é compreendido como se um intelecto superior dirigisse o desenvolvimento da Natureza segundo uma ideia intencional.
Por essas comparações segundo o como se, por esses sistemas de analogias entre o objeto sensível e a Ideia suprassensível
o juízo reflexionante traça estas estreitas passagens
onde a imanência, como por uma artimanha da Natureza
acolhe o transcendente para deixar-se inspirar e guiar. A antiga
ilusão platônica parece, em suma, repetir-se trabalhando
profundamente o sistema filosófico que inaugura nossa modernidade e a critica deleuziana denuncia a artimanha
pela qual o juízo reflexionante introduz transcendência até
o imago da teoria kantiana do conhecimento, até o âmago
do dispositivo que deveria assegurar ao homem a certeza e a
autonomia de seu conhecimento, até o âmago da imanência.

Os filósofos pós-kantianos sentiram a articulação complexa do sistema kantiano como uma fraqueza. Já com Fichte, o problema urgente é a consolidação do sistema da filosofia transcendental a partir de um principio único e absoluto, capaz de engendrar estas delicadas articulações conceituais que Kant tomava, em última análise, por “fatos”. Para Schelling, igualmente, o problema é o de uma unificação e de uma gênese dos dualismos estáticos e fatuais, mas o ponto de partida escolhido por Schelling é um principio no qual o Ser e o Pensamento identificam-se, e a partir do qual as distinções entre finito e infinito, matéria e vida, deixam-se dissolver em uma dinâmica repetitiva que alterna fases de criação e de relaxamento: “Natura naturans, Natura naturata.”

As matérias individuadas, os objetos e as pessoas, são momentos relativos na evolução do “Todo”. e os ritmos de evolução da Natureza são marcados por fases de objetivação ou de criação ativa que pressupõem uma velocidade “não infinita” de evolução da Natureza. Esta finitude onde o infinito explica-se e toma corpo “exprime-se”, “efetua-se”, “atualiza-se”, dirá Deleuze é a condição da existência das coisas.

Exatamente como os pós-kantianos, Deleuze propõe então reverter as relações entre os conceitos do entendimento e as Ideias da razão, mostrando que tudo é interior à Ideia. Conceitos, sujeitos e objetos são apenas produtos da Ideia, expressões de uma totalidade virtual da qual a repetição e a diferença são a potência em devir, os modos pelos quais esta potência atualiza-se no tempo e no espaço finitos da existência Para opor a uma ontologia analógica e equivoca uma ideia unívoca do Ser, para opor a uma teoria do conhecimento baseada no par estático “forma e matéria” um principio dinâmico e criador, Schelling precisou redefinir o papel e o lugar da ciência newtoniana em correlação com a filosofia e as novas ciências da época.

Na Crítica da razão pura, os problemas da relação entre matemática, geometria e física eram centrais: a mecânica e a dinâmica newtonianas eram referências fundamentais sempre presentes Na dedução do Sistema da Natureza de Schelling, a antecedência da geometria e da dinâmica na ordem não impede que todo o sistema esteja projetado em direção dos ciências elétricas, biológicas e fisiopsicológicas e que a ciência dominante, “a ciência maior”, seja tragada pela multidão destas ciências menores” nascentes.

A realização do “sistema da Natureza unívoca” parece portanto exigir a definição de uma nova relação entre a filosofia e a ciência. Referindo-se a tudo aquilo que na ciência é “novo e menor” — as doutrinas indeterministas da matéria, as teorias dos sistemas abertos e do caos, as teorias das catástrofes e dos fractais, a teoria da individuação de Gilbert Simondon, a “não-epistemologia” de Michel Serres — Deleuze define as condições para uma “nova aliança entre filosofia e ciência que, na forma de uma ontologia de Devir e da Diferença, atualiza e reativa as filosofias da Natureza de Schelling. e dos pré-socráticos.

A Natureza que a filosofia platônica e kantiana, a ciência cartesiana
newtoniana, logica a epistemologia analítica e até as
ciências estruturalistas, reduziam a um mecanismo
causal inerte adquire então uma nova força, uma nova vida.

DR = Diferença e Repetição.

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