Denise Ferreira da Silva — Os limites da Justiça; Um Diálogo com Fanon e interlocutores.

Gap Filosófico [Decodex)
15 min readSep 21, 2024

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Segundo Denise Ferreira da Silva, em “A dívida impagável” para se questionar os limites daquilo que apreendemos como justiça, primeiramente é necessário “ ter como ponto de partida um momento anterior mediante uma espécie de demarcação do reconhecimento como interdição colonial, enquanto simultaneamente se contempla o além da representação”. Pois nesta posição postulada como algo possivelmente assimilável, A Coisa [Das Ding] não faz mais do que possibilitar o sujeito, o “eu”,a figura que media as formulações do objetável, do outro e daquilo que torna-se inócuo para um estatuto de realidade. Mediante uma espécie de evocar o abandono de certas concepções de (cálculo/ medida, classificação e interpretação) presentes em pensadores como Bacon e seu instrumentalismo, que nasce quando o sujeito do conhecimento toma a decisão de que conhecer é dominar e controlar a natureza e os seres humanos. Assim como no formalismo (cartesiano) mediante a certeza indubitável do cogito.Em outras palavras uma crítica mais profunda da questão da justiça resulta de uma superação de tais categorias sócio-culturais(e além) demarcadas pelos paradigmas modernos, que possibilitam a normalização das eliminações sociais de forma sistemática a partir de mesclas conceituais solidificadas institucional-socialmente, Denise provoca a evocação de justiça contra- colonial fanoniana como ainda não tão radical no que é mais fundamental,ou seja, no antecedente a possibilidade-formal da reelaboração, mediante uma suposta equidade e possibilidade de ruptura com as demarcações coloniais evocando a questão da exclusão do corpo negro-feminino mediante tal estatuto de realidade, e é a partir destas questões que iremos trabalhar neste artigo.

O trecho que Denise desenvolve em seu livro, propõe colocar Fanon em perspectiva, perante Hegel e adjacentes propondo uma análise da práxis ético-política mais alargada mas ao mesmo tempo como um antecedente de análise da forma, a qual busca reconhecer todos os efeitos e implicações assim como as presunções que informam as nossas narrativas sobre existir com e em outros mediante algumas sínteses de captura da modernidade. Tendo em vista algo que já começa a trabalhar em seu primeiro livro,de 1999,Toward a Global Idea of Race (2007), nele Denise trabalha a função determinante da racialidade no pensamento pós-iluminista diante do que chama de textualidade moderna, oferecendo uma crítica onto-epistemológica à teoria do reconhecimento, a qual produziria necessariamente um sujeito transparente diluído e autodeterminado em todos os pólos possíveis, recaindo na solidificação do chamado Homo Modernus(dotado de inúmeras características enumeramos algumas aqui adiante por ex duas delas interioridade-historicidade ) diante de uma estratificação de um outro racial, colonizado. É justamente retrabalhando tal indicativo diante do que Denise chama de A Coisa que denota-se um duplo estatuto: A Coisa (enquanto um referente ontológico) e uma coisa (o termo genérico mobilizado em relação a algo que ainda não tem nome, mas que já é abordado como um objeto).” como é versado em nota no início do capítulo A Ser anunciado Uma Práxis Radical ou Conhecer (nos) Limites da Justiça

Denise inicia o capítulo com duas citações de Hegel e Fanon subsequentemente desdobrando-se sobre uma proposta de composição radical de práxis política mediante um prisma de desvencilhamento,evocando para o conflito uma hegemonia onto-epistemologica. Não vislumbrando a realização de uma justiça de fato como algo exequível e muito menos denota dar tons explicativos a eventos de libertação ( como veremos em fanon), ruptura e possivelmente reinvenção social.

No entanto é preciso um passo anterior (como dissemos na introdução) que segundo Denise só compõe a (im)possibilidade da justiça nos termos que conhecemos. Denise não se interessa pelas possíveis barganhas das revoltas, não interessa sobre o que aconteceu ou sobre o que foi necessário fazer para resistir, isto é, seus “fatos” ou representações (científicas ou de outra ordem dos fatos). Denise diz;

“Não estou interessada no(s) significado(s) — ou seja, nos por quês e porques — do evento. Ao contrário, o que me interessa é a dissolução daquilo que sustenta toda e qualquer explicação de qualquer evento.”

Antes uma breve palavra sobre onto-epistemologia;

Trata-se de noção que visa um estudo teórico sobre a produção do conhecimento em geral, mas, sobretudo, das áreas das educações-formativas, e suas implicações qualitativas- quantitativas diante das maneiras de tangenciar pesquisas diante do próprio desenvolvimento do conhecimento, especificamente pelo corte onto-epistemológico e suas denotações éticos-formais, entretanto Denise parece realocar tais implicações perante um questionamento da reprodutibilidade incessante da modernidade como questões insuperáveis mediante tal assunção formal-situacional. Justamente por isso Denise anuncia que não vislumbra oferecer um projeto, um programa ou uma prescrição de superação mas decupar suas impossibilidades.O que é articulado aqui é que o questionamento das possibilidades educacionais-formativas-coercitivas entre interioridade-historicidade que assumem características transcendentais a nível institucional hegemônico( as grandes instituições oficiais como o estado) ou ainda as processualidades institucionais mais dinâmicas( o que chamarei aqui de mais convencionais) como a sujeição a integração ou a suscetibilidade subjetivadora das relações afetivas, integradoras normatizadoras, integradoras do ponto de vista mais social-cognitivo, que perfilam-se mediante duas concepções mais gerais no que tange a impossibilidade de dissolução da noção de justiça pré-estabelecida pela plataforma do direito comum e do direito como lei, através de uma certa combinação inicial reflexiva a partir de de Kant-Hegel, ao produzir uma questão a partir de tais determinações; como é possível que aquilo que Denise chama de pensamento moderno implicar em sujeitos que podem ser excluídos de uma certa universalidade jurídica sem provocar quaisquer ruptura estrutural?

Demarcações importantes entre historicidade- interioridade

A historicidade perante a perspectiva abrangentemente moderna supõe o tempo ( cronificado)como condição privilegiada no que tange às próprias demarcações onto-epistemológicas nos campos da própria metodologia histórica dominante e seus derivados. A noção de interioridade exige destas demarcações (da historicidade inclusive) obliterações perante os próprios fenômenos humanos. É justamente nestes desdobramentos principais que se perfaz a sucção contínua da dialética hegeliana em seu prisma majoritário de negatividade-necessidade. Por exemplo, Hegel segundo Denise,ao descrever o social ( ou a Sociedade Civil) como o palco de uma certa integração da diferença”, o aponta como algo regido pela necessidade e não por uma possibilidade contingente da liberdade e nisto situa tanto a administração da justiça (como os tribunais) assim como seu aspecto policialesco, mas sem necessariamente limitar à regulação transcendental-cognitiva ( mas a submete a uma reintrojeção geral como veremos adiante), perante uma espécie de correlacionismo mais brando. Já em Kant segundo Denise tal questionamento é travado majoritariamente como uma impossibilidade, pois não existe a possibilidade do questionamento do direito kantiano no que tange à discussão da própria lei (pura-cognitiva), o direito à propriedade ele mesmo é situado no domínio da circunscrição formal pura.

A partir de tal demarcação Denise se permite suscitar uma exploração mais atenta dos compostos da representação moderna e seus desdobramentos pós-iluministas mediados pela tese e pelo sujeito da transparência, em campos, científicos e principalmente filosóficos(que será nosso marco aqui),desvelando a Ideia de autodeterminação do sujeito construída por este arsenal de conhecimento, este processo aqui pode ser nomeado a partir da analítica da racialidade ( que é uma demarcação a partir de um sentido de exclusão tornado comum dentro de um estatuto de realidade), que explicita a produção e a eliminação dos seus outros produzidos por tal torção de realidade que se solidifica.

Cito Denise;

Para Hegel, A Coisa, considerada no registro do objeto do conhecimento, possui três momentos: “É (a) uma universalidade passiva e indiferente, o Também das várias propriedades ou, na verdade, ‘matérias’; (b) o processo igualmente simples de negação do Um, responsável por excluir propriedades opostas e © as muitas propriedades em-si, a relação entre os dois momentos, ou seja, a negação conforme a mesma se relaciona com o elemento indiferente e a partir de onde expande-se em um amálgama de diferenças”. ( Denise Ferreira — a Dívida Impagável- Alusão descritiva a Estrutura da FE- Hegel)

Através de tais delimitações, o diálogo de Denise com Hegel possui algumas possibilidades. Em um contexto possível Hegel é justamente um autor que contribui para reforçar e estabelecer princípios onto-epistemológicos presentes na base daquilo que acabamos de delimitar como zona de confronto da analítica da racialidade.Todavia através de usos específicos Denise, produz desvios a partir do conceito de Ding para desenvolver o projeto de um “pensar outra-mente” um projeto que pode sustentar a formulação de uma proposta disruptiva-ética adequada à uma possibilidade real de emancipação racial/global.

Segundo Michael Inwood;

Ding é cognato com bedingen, Bedingung (“*CONDIÇÃO”, “(uma) condição”). Schelling argumentou certa vez que se, por exemplo, o EU fosse visto como condicionado ou como tendo condições, então seria (equivocadamente) considerado uma coisa. No entender de Hegel, Schelling e Kant rejeitaram corretamente o ponto de vista de Descartes de que Eu (ou *ALMA) é uma coisa (Enc. I, §34A). Mas não se segue que deva ser não-condicionada, uma vez que as condições estão *SUPRASSUMIDAS no que condicionam (o que, para Hegel, é mais uma Sache do que uma Ding). — Michael Inwood — Dicionário Hegel

A distinção feita pelo próprio Hegel entre Das ding ( a Coisa) e Sache selbst ( coisa-em-si) nos parece demarcar nuances do que Denise nos apresenta em a dívida impagável, é justamente a distinção entre a demarcação formal de uma concepção naturalizante que se media pelos parâmetros de interioridade-exterioridade-historicidade diante de um não lugar do caráter de exclusão do ponto de vista onto-epistemológico que se perfaz um jogo de apreensão da determinação e exclusão daquilo que é excedente.

O que Denise provoca é uma situação antecipada por uma demarcação da negridade sempre estabelecida por tais aspectos institucionais e certos estatutos científicos.

Dadas tais questões a partir daqui tentaremos desdobrar as possíveis vicissitudes presentes na perspectiva fanoniana apontadas por Denise neste trecho de A dívida impagável, levando em consideração a pré-figuração formativa que ela atribui aos movimentos pós-iluministas que em certo sentido estariam presentes em fanon a partir uma alusão ao soberano ou a autonomia circunscrita na soberania que exclui o excesso do feminino, ou dos corpos femininos enquanto negridade não assimilada .

Justamente por ser as muitas sem/antes da/após a resolução em Um ou em um todo, A Coisa hospeda todas as possibilidades, inclusive as não contempladas (anunciadas ou diferidas) quando uma vez nomeada, ela se torna objeto, por exemplo. Não é possível tentar descrever os tesouros escondidos pela Coisa. Esta hospeda a possibilidade de violência, aquilo que ameaça dissolver toda e qualquer resolução (simbólica ou jurídica); como mediadora, ela necessariamente abala os limites da própria justiça. ( Denise Ferreira da Silva- A dívida Impagável

Logo no início de Os condenados da terra fanon põe em evidência suas impressões sobre a questão da inebriação da corporeidade endossada por alguns aspectos religiosos( territoriais) que podem desviar da Guerra de libertação, este trecho causa um estranhamento no leitor mais acostumado a endossar as perspectivas fanonianas mais pujantes no sentido de todo seu anticolonialismo, que é situacional e legítimo, porém ao mesmo tempo encerrado no processo histórico que está sendo vivenciado e narrado em os condenados da terra que inclusive culminou posteriormente a seus escritos de forma muito breve em seu falecimento, denota-se uma espécie de intolerância com manifestações religiosas locais que podem desviar de uma certa vigilância constante do embate pela libertação em sentido concreto, Fanon evoca uma concretude do enfrentamento colonial.

Denise não está preocupada como dissemos com a necessidade de encaixe historiográfico de libertação política( principalmente na argélia ou no contexto magrebino por exemplo contexto de fanon) mas este ponto parece nos chamar a atenção para uma ideia de soberania nacional pelas rédeas do processo de libertação que alude ao antecedente que Denise chama a a atenção nos traçados anteriores que fizemos, não que o nacionalismo evocado dubiamente na problemática fanoniana se resuma a algum endosso de um nacionalismo imperialista e colonial, mas parece replicar questões que Denise ainda identifica no seio da modernidade.

Ato Sekyi-Otu em seu livro Fanon a Dialética da experiência diz que há uma categorização ascendente teleológica no processo descritivo que fanon implica na narrativa de os condenados visando não o fim da história mas o processo formativo do engajamento na luta de libertação para a possibilidade da libertação em si, entretanto endossa também logo no início do livro a ruptura abrupta que fanon promove com o processo de reconhecimento hegeliano que a nosso ver embota algumas percepções unilaterais sobre o que Denise propõe acerca de Fanon e que desdobra-se em um movimento comparado a um salto lógico da dialética hegeliana para uma concepção mais aristotélica ( de uma lógica do Aufhebung para a do terceiro excluído). Denise parece ter razão quando diz que não há lugar para a corporeidade feminina nos contextos majoritários fanonianos como outro já postulado como excesso, excluído, entre aquilo que ela atribui a um processo de soberania que é aludido dentro da evocação fanoniana para sair do mundo da “ fantasia colonial” mas não seria a fantasia a possibilidade de ruptura mais efetiva com a subserviência de um imaginário colonial?

Fanon diz;

Em horas fixas, em datas fixas, homens e mulheres se reúnem num determinado lugar e, sob o olhar grave da tribo, se lançam numa pantomima de aspecto desordenado, mas na realidade bem sistematizada, na qual, por diversos meios — negativas com a cabeça, curvatura da coluna, o corpo todo arqueado para trás — , se decifra abertamente o esforço grandioso de uma coletividade para se exorcizar, se libertar, se expressar. Tudo é permitido… dentro do círculo. Ao longo da luta de libertação, assistiremos a um curioso desprezo por essas práticas. Encostado contra a parede, com a faca na garganta ou, para ser mais exato, o eletrodo nas partes genitais, o colonizado vai ser intimado a não inventar histórias. Depois de anos de irrealismo, depois de ter se deleitado nas fantasias mais surpreendentes, o colonizado, de metralhadora em punho, se defronta enfim com as únicas forças que negavam seu ser: as do colonialismo.

A noção evocada de justiça na concepção fanoniana dentro do contexto colonial segundo ressoam a partir de Denise parece estar embebida numa pré-formação que primeiramente abdica da possibilidade de reinvenção primordial das categorias existenciárias ressoando concepções onto-epistemologicas solidificadas na modernidade inclusive numa certa categorização do que pode ser possível (ou para mensurar mesmo o impossível)para um desenvolvimento mais concreto de liberdade em um contexto de opressão colonial ( apesar de abdicar da historicização da ancestralidade como diz Alice Cherki sua aluna em uam de suas biografias). Inclusive Fanon evocava uma ruptura geral com a noção de justiça colonial mas dentro de uma noção de restabelecimento institucional reintegrativo do movimento de libertação que parecia preso ( por necessidade) a um humanitarismo universalista aludindo a um outro sentido de justiça muito próximo ao primeiro, porém no sentido mais ordinário de justiça.

Não seremos aqui completamente injustos de dizer que Fanon não foi capaz de apreender o caráter simbólico concreto e suas potencialidades — despotencialidades dentro do contexto de libertação colonial, seus relatos clínicos ao final de uma das edições de os condenados da terra trazem com grande riqueza de detalhes o que Fanon apreendia como processos catárticos-clínicos não necessariamente encerrados em paradigmas fechados da modernidade e muito menos em paradigmas fechados de historicidade-interioridade( ou em resumos meramente subjetivos ou unilaterais em certas circunscrições sociais), mas a partir de como tais influências( modernas) inclusive no ambiente psiquiátrico precisavam ser descartadas e criticadas a partir de suas próprias solidificações epistemológicas ( alusão mais clara e específica a isso teremos em seus escritos psiquiátricos) isso inclui suas reelaborações de Freud, Lacan, Jung, Mannoni inclusive.

O Reconhecimento

Entretanto um fato importante de ser retomado é sobre a lógica do reconhecimento como contestação no processo fanoniano e aqui cremos que está o ponto central da questão proposta por nós entre Denise, Fanon e Hegel. Como relação cognata ao sentido de trabalhar A coisa em temos a questão da dialética de senhor e de servo em Hegel que claramente alude a um duplo processo cognitivo-social que suscita a necessidade de reconhecimento ou ainda a um processo historicizante ( filosofia da história de hegel) de continuidade teleológica de realização do espírito no estado e por conseguinte da introjeção subjetiva do espírito no seu realizar ético( que serve retroativamente ao estado-família e etc) que será prospectado na ciência da lógica já como conceitos a serem empregados, tudo isso implica o que foi apontado por Denise através de nossas palavras como processos de transparência de uma constante recolocação de uma autonomia do cogito cartesiano dentro da dialética hegeliana que realiza seu cume no sentido ético. Denise pega a duplicação de A Coisa e Uma Coisa como referido no início do artigo com distinção de um momento que antecede o reconhecimento por estabelecimentos ontológicos ( A Coisa- uma objetificação que serve ao reconhecimento entre subjetividade e objetividade- cognitivo-social ) e uma coisa (como algo que ainda não tem nome, mas que já é abordada como um objeto, porém por uma perspectiva de foraclusão) e desenvolve o que está em jogo dentro da atribuição que faz a Fanon de um senso de justiça material ainda embebido de paradigmas de soberania(autonomia) que exclui a possibilidade de corporeidade do feminino ( inclusive).

Fanon ao contestar a lógica hegeliana da manutenção (Aufhebung) desloca o reconhecimento para a concepção do confronto e eliminação do senhor como suscitador da dupla objetificação suscitada por Denise na duplicação da coisa, como destruição da subserviência ao senhor ( eternidade) e mediante o colocar-se em risco para trabalhar A Coisa ( enquanto volubilidade material), em sentido duplo de inclusão no reconhecimento e exclusão daquilo que não tem nome mas é objetificavél como não incluso numa plataforma de justiça pré-formada pela hierarquização supracitada do reconhecimento hegeliano enquanto projeto. Porém o que nos salta os olhos mediante os apontamentos de Denise faz sobre Fanon neste sentido é que mesmo que tal processo fosse realizável como destituição da subserviência ao senhor (cognitivo-social-institucionalmente falando) há uma negligência que não é sem impotência perante os desdobramentos daquilo que se evoca quando Fanon permanece circunscrito em uma ideia de universalidade de um novo homem pós- colonial, que poderia vir a ser anunciado mediante tal possibilidade de ruptura mesmo que como homem virtual ( no sentido de atualização constante). O que parece ser verossímil é que no outro lado da ponta do reconhecimento ( não destituído) ainda foi mantida por Fanon a duplicação Da coisa ( agora liberta no sentido do servo ao menos como proposta) e de uma coisa ( não tratável) no sentido de uma objetificação mantida como excludente e subjacente a uma certa concepção mesmo que mais ordinária de justiça evocada por Fanon majoritariamente em os condenados da terra e em outros escritos.

Um Excerto para finalizar.

O colonizado, quando o torturam, quando matam sua mulher ou a estupram, não vai se queixar a ninguém. O governo que oprime poderá nomear comissões de inquérito e de informação a cada dia. Aos olhos do colonizado, tais comissões não existem. E, de fato, lá se vão quase sete anos de crimes na Argélia e nem um único francês foi levado a um tribunal da Justiça francesa pelo assassinato de um argelino. Na Indochina, em Madagascar, nas colônias, o nativo sempre soube que não podia esperar nada do outro lado. O trabalho do colono é tornar impossíveis quaisquer sonhos de liberdade do colonizado. O trabalho do colonizado é imaginar todas as combinações eventuais para aniquilar o colono. Fanon — Os condenados da terra)

Como dissemos desde o início do artigo nossa abordagem não tem pretensão de verificar a aplicabilidade histórica das concepções fanonianas co contexto de libertação na Argélia mas como Denise trabalha em algumas nuances o contexto paradigmático da implicação conceitual em nossas atividades materiais em desdobramentos naturalizantes de história- subjetividade e derivados modernos. E ainda como tais paradigmas ainda continuam a ressoar em autores úteis a disrupção em relação às implicaturas modernas. Em conclusão o que Denise parece apontar em autores como Fanon é que há um apregoamento resistente a uma espécie de plataformização conceitual ( ainda presente em Fanon ao evocar uma justiça contra-colonial) que atende tanto a um aparato onto-epistemológico específico quanto a seus processos de inclusão-exclusão de realidades possíveis( dentro de uma ideia de subjetividade parametrizada pela modernidade) materialmente em termos de processos de justiça e que dentro de seus fundacionismos desde a trindade cristã, excluem o lugar do feminino ( ou de vários outros processos marginalizados) como ameaça, ou como mal, como sombra( ou como uma coisa), não compactuada com um certo estatuto de realidade pré-estabelecido, inclusive pelo paradigma de justiça, seja em seu âmbito regulatório — institucional seja em termos de senso comum populacional, então como diz inclusive Fanon em texto supracitado “O colonizado, quando o torturam, quando matam sua mulher ou a estupram, não vai se queixar a ninguém” pois não há justiça possível ( em termos de trazer para um estatuto de realidade os corpos pretos ,femininos, trans, indígenas e minoritários em geral) neste meio mediado pela realização estatal hegeliana e sua realização ética e mediada pelo dever-ser kantiano e seu apregoamento formal a um privatismo estatutário de uma condição humana a priori não há brecha possivel para uma inatualidade. Então como diz Denise a realidade está submetida a uma concepção provável científica, ( como dimensões limitadas do que é provável ou imaginável diante daquilo que já se estabelece como possível) evocar neste sentido por uma inclusão de uma negridade, já excluída, diante daquilo que é provável( científico) atende a estatutos já cooptados por realidades já dadas. Precisamos dar vários passos adiante para além daquilo que é possível, provável e que pode se atualizar( filosoficamente) precisamos escapar de imaginar mediante o que é atual e potencial para aquilo que deveria servir de fato a uma expansão da realidade de um modo geral para uma evocação daquilo que nunca vai ser atual( para além do possível) é a tarefa árdua que envolve se livrar de fato dos paradigmas solidificadores e concretizadores do nosso estatuto de realidade como algo insuperável e que precisamos levar mais a sério para além das solidificações da representação.

Referências;

FERREIRA DA SILVA, Denise. A dívida impagável. São Paulo: Oficina de Imaginação Política e Living Commons, 2019.

FERREIRA DA SILVA, Denise. Curso “Luz Negra”, com a professora Denise Ferreira Da Silva aula 1: aula 1. Aula 1. 2020a. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=- 47X_7XJnOU&t=9410s

Fanon F. Os condenados da Terra. Rio de janeiro: Civilização Brasileira; 1979.

Hegel, Georg Wilhelm Friedrich (1972). Science de la logique. Paris: Aubier

Hegel, Georg Wilhelm Friedrich (2003). Fenomenologia do Espírito. Rio de Janeiro: Vozes.

Inwood, Michael, Dicionário Hegel,Ano: 2007 / Páginas: 362 Editora: Jorge Zahar

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