HUSSERL E A RADICALIZAÇÃO DA EPOCHÉ

Gap Filosófico [Decodex)
4 min readApr 23, 2020

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Entendemos a radicalização da epoché fenomenológica e a inversão do transcendente como algo que se propõe a nível de estratégia metodológica para o alcance das evidências apodíticas, isto é condição para a fundamentação da filosofia como ciência rigorosa. Husserl entende que podemos alcançar este rigor pelo exercício de suspensão do juízo em relação à posição de existência das coisas. Husserl trata em as “Cinco Lições” e também em Ideias I, o conceito de epoché trazido do ceticismo antigo, para pensa-lo como um recurso metodológico. Através da epoché, nos eximimos de trazer considerações acerca da existência ou não existência das coisas no mundo. Segundo Husserl promovemos uma suposta atitude natural representativa através de uma facticidade, o mundo como conhecemos fica fora de alcance, ao efetuarmos o método de suspensão do juízo em relação a facticidade do mundo, apesar de não deixar de vivenciar essa tese deixo-a fora de questão. Segundo Husserl seria uma espécie de conversão filosófica que se propõe a busca do rigor. O buscar da epoché se debruçaria inclusive sobre tudo o que é transcendente, ou seja tudo aquilo que está para além da concepção cognitiva, haveria um deslocar da atenção para o que aparece no interior da “cogitatio” este deslocamento se dá para o que é vivenciado, para aquilo que se considera um sujeito empírico no sentido de alguém que percebe, representa, pensa, sente, deseja ou seja para o que transcende neste sentido, fora da minha noção cognitiva e que se revela diante da minha transcendência- imanência, ou vivencia. Neste sentido podemos dizer que há uma espécie de redução psicológica que promove a passagem do que ocorre fora de mim para o sujeito que percebe ou a chamada imanência real, sempre haveria um aspecto de transição neste sentido. Ou seja, posso duvidar da posição de existência do que se encontra fora de mim, só não posso duvidar de que estou tendo esta vivência no exato momento em que ela ocorre, o que é essa vivencia não sei mas sei que a vivo. Isso é exatamente o que Husserl chamará de evidencia da “cogitatio”. Pois dito isto, Husserl, faz uma breve consideração sobre os conceitos de “imanência” e de “transcendência” que permitirá, ao iniciante do processo perceber o imanente como o que “está em mim” e o transcendente como o que se encontra “fora de mim”. Porém o projeto Husserliano vai mais além impulsionado pelo projeto de fundamentação da filosofia como ciência de rigor se propõe a ir na noção de evidência da cogitatio e, superando Descartes, ao totalizar a suspensão de juízo, afirmando que mesmo a nossa vivência psicológica deverá cair sob os punhos da epoché fenomenológica, pois tal vivência é a vivência de um sujeito empírico, que no sentido desta análise seria um

objeto de estudo da ciência psicológica que portanto, se encontra inserido em meio a outros entes mundanos, submetido, da mesma forma, a uma dimensão espaço-temporal. Outrossim a vida psíquica de que trata a psicologia, sempre a entendeu concebida como vida psíquica no mundo. Então através disto Husserl defende o exercício generalizado da epoché em relação aos fatos, ao eu psicológico que os experimenta assim como as próprias vivências desse eu. Tal radicalização da epoché é motivada pela exigência de que a imanência entendida como imanência psicológica é, portanto, considerada como acontecimento real e por isso fosse despida de todo o resquício de transcendência que há em si, mesmo que ainda a pudesse conservar de algum modo de forma prática. O transcendente será entendido agora não apenas como o que se encontra fora da vivência cognitiva, mas sim, como o domínio munido de uma falta de domínio diante daquilo que não se pode eliminar por inteiro diante da possibilidade da dúvida em relação à posição de existência das coisas e do próprio eu que as experimenta, enquanto próprio sujeito empírico dessa experimentação. O que transcende passa a ser entendido neste segundo momento, nos termos Husserlianos, como conhecimento não-evidente ou não demonstrável, como fonte de dúvidas e de incertezas, porém, incluindo a noção do eu empírico em sua relação com o mundo entendido como natural. Podemos verificar que, tanto em Husserl quanto em Descartes, visualizamos a escolha de um certo método cético como estratégia metodológica para o afastamento radical da dúvida para tentar extirpar apropria dúvida, porém em Descartes, já em suas meditações o exercício da dúvida hiperbólica é entendido como exercício sistematizado e generalizado que nos leva, em seus graus crescentes de intensidade, ao alcance intuitivo de uma certeza primordial imune à dúvida cética, já em Husserl, a radicalização da epoché nos deixa ir após a evidência daquilo que ele entende como “cogitatio” a grosso modo o que seria um equivalente a dúvida metódica em Descartes. Pois então, ao generalizar a epoché, Husserl dispõe, por um lado de uma certa superação de Descartes, pois era preciso que a imanência para a qual nos desloca a epoché fenomenológica fosse despida de todo caráter de transcendência que ainda pudesse mostrar seus resquícios, submetida totalmente ao conflito direto com o que se encontra inteiramente imune à dúvida e, então, do que ainda se propõe a ser ainda imune a uma evidenciação apodítica.

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