Observações sobre as Categorias Kantianas em Grice

Gap Filosófico [Decodex)
7 min readJun 28, 2024

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Em Grice há uma inevitável referência a Kant, porém ele não nos parece explicar claramente em seus escritos o que o fez usar tais máximas conversacionais a partir das categorias kantianas.

Ao que nos parece ele as proclama sem aparente justificativa.

Entretanto independentemente de como a relação surge, pretendemos nos perguntar como as máximas conversacionais podem ser especificadas e tornadas distintas de outros tipos de máximas.

Ao que parece as máximas conversacionais podem ser identificadas pela analítica transcendental de inspiração Kantiana.

Para este fim, tocaremos em alguns pontos de Grice sobre máximas e categorias conversacionais e sugeriremos breves comparações com o pensamento de Kant sobre as categorias.

Paul Grice faz uma distinção entre o significado do locutor (o significado do enunciador) e o significado da frase.

Ao distinguir uma série de máximas conversacionais, como por exemplo no dito; “Evite a ambiguidade”, ele é capaz de explicar a geração de implicaturas conversacionais, que fazem parte do significado do locutor (construção subjetiva estruturada objetiva-institucionalmente), mas não do significado da frase (objetivamente seu uso).

Contudo, quanto à referência a Kant Grice silencia sobre a questão de como descobriu as máximas conversacionais e tem pouco a dizer sobre o uso do estatuto epistemológico desta questão.

Ao que parece ele apenas se resume a dizer que é arrazoado e benéfico seu uso e, portanto, frutífero observá-los a partir de tal sugestão.

No entanto, questiona-se, se ele (o método griciano) se aplica a todos os tipos e a outras máximas em contextos divergentes.

Grice faz uma distinção entre máximas conversacionais, estéticas, sociais e morais, entretanto não se segue que estas classes de máximas sejam mutuamente exclusivas.

Por exemplo, em a máxima da Qualidade, como “Não diga o que você acredita ser falso”, também pode ser considerada em alguma medida uma máxima moral. Em A Ética do discurso por exemplo, são propostas regras bastante semelhantes no que concerne ao que se diz em termos de “terem uma importância ética” (Habermas, 1990, p. 88).

Uma breve digressão;

Vários estudiosos propõem princípios alternativos ou oferecem explicações diferentes para a geração das implicaturas mediante as máximas conversacionais (Bach, 2012; Davis, 2019). Tanto os de perspectivas neopragmáticas quanto os de perspectiva pós-griciana trabalharam a partir de uma redução do número de máximas conversacionais. As abordagens mais proeminentes que foram introduzidas por Horn (1984, 2007, 2012), Levinson (2000) e pelos teóricos da relevância (Sperber & Wilson, 1995; Carston, 2002).

Enquanto Horn e Levinson desenvolvem princípios para fazer inferências pragmáticas sobre implicaturas, os teóricos da relevância assumem que as inferências se baseiam num princípio cognitivo mais fundamental, ou seja, que os estímulos ostensivos precisam ser entendidos como atos de comunicação intencional.

Isso inclui não apenas enunciados de expressões linguísticas, mas também os vários dispositivos paralinguísticos e não linguísticos que os acompanham, bem como a comunicação não verbal.” (Hall, 2018, p. 87). Este contexto é importante pois vale ressaltar que há um usufruto investigativo sobre os limites da relação das implicaturas em detrimento das máximas conversacionais mediante a pesquisa griciana.

Contudo, de acordo com Grice, as máximas conversacionais diferem de todos os tipos de outras máximas na medida em que revelam o que os oradores têm de fazer se, e logo deveriam se esforçar por uma troca de informações o mais eficaz possível.

Ao propor quatro categorias conversacionais e um maior número de máximas conversacionais, Grice atribui tal crédito a Kant.

Neste sentido ambos perseguem objetivos interessantes e que nos parecem comungar de uma mesma direção: enquanto Kant tem a pretensão de investigar as condições de possibilidade tanto da experiência como dos objetos da experiência, Grice investiga “as condições gerais que, de uma forma ou de outra, se aplicam à conversação como tal, a partir de uma espécie de “ sobrevoo “ categorial independentemente da substancialidade proferida institucionalmente dentro da formação de um tema” mas a partir da formação substancial delas em um dado contexto de conversação.

Kant por conseguinte elabora regras para “a aplicação destes conceitos puros de compreensão enquanto mediados pela experiência possível”.

Tais regras são rotuladas como “princípios de compreensão pura”.

E neste aspecto diferem das regras de outros conceitos (apenas para brevemente exemplificar, conceitos empíricos mais sensíveis, como “cavalo”, e conceitos puramente designadores-indicativos- ideais, como “círculo”) pois um sujeito não poderia deixar de segui-los imperativamente como prescritivos.

Relativamente, Kant formula tais concepções como sentenças descritivas- prescritivas.

Por exemplo, o princípio da compreensão pura para a categoria “causa e efeito”, e o “princípio da sequência temporal de acordo com a lei da causalidade”, diz: “Todas as alterações ocorrem de acordo com a lei da conexão de causa e efeito”.

Para Kant, a aplicação das categorias torna possível qualquer tipo de experiência. As categorias são “conceitos puros do entendimento, que se aplicam aos objetos da intuição em geral a priori”.

Kant considera qualquer conceito como “uma regra de síntese de percepções.

Esta regra é fornecida pelo entendimento. Por tal razão, o entendimento é “a faculdade do estabelecimento regras”( tal qual Hegel reitera na FE mas apontando seu caráter tautológico-formalista).

As categorias são especiais em pelo menos dois aspectos: Primeiro, elas dão “unidade à uma mera síntese de representações” e assim tornam possível o reconhecimento dos objetos. E em segundo plano, partindo do pressuposto de que são conceitos puros, significaria que são possíveis aprioristicamente. Tais conceitos a priori estão contidos na possibilidade de compreensão numa mesma dimensão do sujeito, ou seja, sua fonte é a compreensão administrada e não a apreensão da experiência sensorial enquanto indicação objetiva inexorável em sentido dialógico da realidade(fazendo alusão a nossa compreensão de Grice).

Mediante tais aspectos as máximas em perspectiva Griciana são semelhantes às categorias de Kant no sentido de que ambas são regras prescritivas.

Todavia, em certa medida ao inverso dos princípios da compreensão pura, os oradores ao quebrar as máximas da conversação na prática podem implicar em certas modulações institucionais e produzir novas relações positivas assim como negativas no âmbito da conversação (no que concerne as orientações práticas orientadas ao uso gricieano das categorias).

E a quebra de tais regras precisam ser observadas com atenção pois são praticamente inevitáveis. Grice neste sentido se afasta de Kant assim como do número de categorias que identifica e no desenrolar hierárquico delas. Kant lista doze categorias, que ele classifica em quatro grupos, chamados Quantidade, Qualidade, Relação e Modalidade; cada grupo contém três categorias. Já Grice distingue apenas quatro categorias e usa os rótulos dos grupos de categorias de Kant para sua própria designação categorial: “Ecoando Kant, eu chamo essas categorias de Quantidade, Qualidade, Relação e Maneira” (Grice, 1989a, 26). (“Manner” é uma tradução livre do termo “Modalität” de Kant, que é traduzido como “Modalidade” na maioria das edições em inglês.)

É importante ressaltar que Grice não se limita a uma espécie de unilateralidade metodológica empírica e, em vez disso, segue outra estratégia: quer mostrar a razoabilidade de cumprir as máximas;

Tenho simpatia instintiva pela ideia de que as chamadas provas transcendentais deveriam ser pensadas como consistindo realmente na apresentação fundamentada da necessidade, em investigações sobre o conhecimento e o mundo, de pensar sobre o mundo de certas maneiras muito gerais.

Grice

Porém a investigação unilateral da perspectiva empírico-prática (que por vezes Grice parece flertar) deixa em aberto a questão de saber se as línguas podem ser aprendidas em condições alternativas (como supracitado acima no que tange a reprodutibilidade da quebra de regras gerais mais convencionais como potencial produtivo positivo e negativo para a conversação), em particular, deixa em aberto a questão de saber se possivelmente algumas das máximas de Grice poderiam ser completamente abandonadas.

Se isso for possível desta feita as descobertas empíricas a luz da tendência griciana tão só não permitem fazer inferências determinantes( apesar de não se pretenderem de maneira completa) sobre o que aconteceria se os falantes quebrassem algumas das máximas em dados contextos específicos.

Sou, contudo, suficientemente racionalista para querer encontrar uma base subjacente a estes fatos, por mais inegáveis que sejam; Eu gostaria de poder pensar no tipo padrão de prática de conversação não apenas como algo que todos ou a maioria de fato segue, mas como algo que é razoável seguirmos, que não deveríamos abandonar.

Grice

As máximas são quebradas em muitas conversas, e podemos conceber sem contradição em sentido não prospectivo absoluto, que uma determinada máxima seja quebrada em todas as conversas.

É concebível, por exemplo, que os falantes pronunciem frases irrelevantes o tempo todo. Portanto, nosso diálogo entre Kant e Grice se enquadra (a nosso ver) na categoria de julgamentos e usufrutos sintéticos, que, segundo Kant, adicionam ao conceito de sujeito um processo de predicação do interdito, do não pensado ( tal qual Lacan e Foucault sugerem) neste sentido de forma alguma tais processos poderiam ter sido extraídos deles por meio de qualquer análise racional, porém podem possivelmente serem implicados e modularem o paradigma convencional a partir de seu aspecto indexical- conversacional( Bensusan).

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