Os Condenados da Terra — Leituras Orientadas a Práxis Anticolonial.
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An Analysis of Frantz Fanon’s The Wretched of the Earth
O Problema do Colonialismo
•Em meados do século XX, muitas pessoas questionavam a propriedade do colonialismo.* Enquanto as Nações Unidas* exigiam autogoverno para as colônias, aqueles que seguiam as teorias de inteligência baseadas na raça ainda argumentavam que os povos colonizados eram incapazes de se governar.
• O psicólogo francês Octave Mannoni* e o autor e teórico cultural tunisiano Albert Memmi* produziram análises da psicologia colonial e da relação entre colonizador e colonizado.
• Fanon rejeitou os argumentos dos cientistas raciais e Mannoni igualmente; para ele, todos atribuíam demasiada responsabilidade pelos problemas coloniais aos colonizados.
The Wretched of the Earth, de Frantz Fanon, foi publicado numa época em que o colonialismo europeu estava sob crescente escrutínio e era cada vez mais questionado; a carta das Nações Unidas de 1945 ajudou a preparar o cenário para a era pós-colonial*, estabelecendo “o princípio de que os interesses dos habitantes desses territórios [coloniais] são primordiais” e que, de acordo com “as aspirações políticas dos povos ” eles irão “desenvolver o autogoverno”.1
A questão era como interpretar esse princípio.
A principal missão de Fanon em Os condenados não era tanto responder à pergunta, mas avançar uma agenda — “um completo questionamento da situação colonial”. Podemos comparar isso com o revolucionário russo Vladimir Lenin* O que fazer?, o panfleto de 1901 que pedia uma vanguarda de intelectuais para persuadir os trabalhadores russos a adotar a filosofia política do marxismo* e da revolução.
Fanon questionou o colonialismo com base no fato de que todos os seres humanos são fundamentalmente iguais.
Essa ideia não foi totalmente aceita, pois as teorias da hierarquia racial eram comuns a época — inclusive na profissão médica.
Por exemplo, Antoine Porot* da Escola de Neuropsiquiatria de Argel* afirmou que “não há vida interior no que diz respeito aos norte-africanos”, porque eles careciam de uma função cerebral superior.3
Em outras palavras, ele sugeriu que segundo uma ideia torpe e biologizante de distinção racial que se permitisse a compreenssão de que uma “raça” reivindicasse superioridade e legitimasse seu domínio sobre outros, no caso os racializados.
Fanon continua citando o médico britânico JC Carothers,* que concluiu que “o africano”, embora fisicamente o mesmo, “faz muito pouco uso de seus lobos frontais”, sugerindo que ele é semelhante a um “europeu lobotomizado”
Essa visão procurava transformar a resistência colonial em doença mental. Fanon e seus companheiros pensadores responderam que, ao contrário, seria mais louco se submeter ao domínio colonial do que resistir a ele.
Próspero e Caliban, do psicólogo francês Octave Mannoni (1950) explorou a relação psicológica entre a administração colonial francesa na ilha de Madagascar e os nativos malgaxes.
Mannoni, notadamente, interessou-se pela psicologia tanto do colonizador quanto do colonizado, e pela situação colonial resultante do “desentendimento, da incompreensão mútua” entre eles.5
Do ponto de vista do colonizador, argumenta Mannoni, a relação entre mestre branco e súdito nativo existe antes mesmo de os dois se encontrarem: a psique européia deve projetar sua própria natureza infantil e perigosa nos outros que encontra.6
Do lado colonizado, Mannoni argumenta que o colonialismo era “inconscientemente esperado — até mesmo desejado — pelos futuros povos subjugados”, que consideram a libertação difícil e intimidadora.7
Mannoni não está justificando o colonialismo, mas sugerindo que a relação colonial é “culpa de todos”. Em outras palavras, os europeus se aproveitam do complexo de dependência da população nativa para dominá-la.
O estado de espírito europeu é “perfeitamente feliz se pudermos projetar fantasias de nosso próprio inconsciente no mundo exterior”.
Se, porém, os europeus descobrem que os sujeitos dessas fantasias “não são puras projeções, mas seres reais com reivindicações de liberdade”, a dominação sobre eles parece ultrajante.8
Mannoni defende um fim gradual do colonialismo, mas o teórico cultural Albert Memmi — autor de O colonizador e o colonizado — argumenta que “para o colonizado, assim como para o colonizador, não há saída que não seja o fim completo da colonização… não apenas a revolta, mas a revolução” . ” os ocupantes franceses e os nativos muçulmanos exploraram a relação entre os dois.
Ele argumentou que a colonização se justifica e se mantém ao destacar as diferenças entre o colonizador e o colonizado, de forma a enfatizar a superioridade do colonizador, e fazendo com que essas diferenças pareçam absolutas, completas e inevitáveis.10
A ideia de colonialismo “bem intencionado ,” Memmi argumenta, são inequivocamente baseadas em teorias racistas e justificadas em explicações superficiais para negar os direitos legítimos dos colonizados.11
Os colonizados, por outro lado, aceitam essa situação, mas apenas por um tempo. Eles inicialmente acreditam na justificação desumana do colonialismo e primeiro tentarão imitar o colonizador.
No inevitável fracasso desse esforço, no entanto, eles “se revoltarão”.
Fanon por razões óbvias rejeitou o racismo “científico” daqueles que defendiam a inferioridade de certos povos:
“Hoje, cada um de nós sabe que a criminalidade não é consequência [de qualquer característica inata do argelino]”, escreveu ele.13
Em vez disso, argumentou que A violência argelina foi um produto da desumanização, da sociedade colonial sistematicamente levando as pessoas ao limite. “Nos campos de concentração [argelinos]”, escreveu Fanon, “os homens se mataram por um pedaço de pão.”14
O sistema colonial deixou suas vítimas igualmente desesperadas.
Fanon critica duramente a teoria do colonialismo de Mannoni em seu texto anterior Black Skin, White Masks (1952), onde ele argumenta que Mannoni “não deixa ao malgaxe nenhuma escolha exceto entre inferioridade e dependência” ,para compreender as circunstâncias econômicas ou políticas. Fanon argumenta fortemente que o colonizado não tem simplesmente a escolha de “ficar branco ou desaparecer”.
Em vez disso, eles devem ser “colocados em posição de escolher a ação … com respeito à fonte real do conflito — ou seja, em relação às estruturas sociais”.
Sobre a relação entre Fanon e Memmi, o principal biógrafo de Fanon, David Macey*, escreve que não há “nenhuma indicação” de que Fanon tenha lido a obra de Memmi. Ele sugere que “a semelhança entre suas respectivas análises da situação colonial” é resultado de sua relação compartilhada com Jean-Paul Sartre.*17
Notas
1 United Nations, Charter of the United Nations, Article 73, October 24, 1945, accessed October 2, 2015, www.un.org/en/documents/charter/ chapter11.shtml.
2 Frantz Fanon, The Wretched of the Earth, trans. Constance Farrington (London: Penguin, 2001), 28.
3 Antoine Porot, paraphrased in Frantz Fanon, Wretched, 242.
4J. C. Carothers, paraphrased in Frantz Fanon, Wretched, 243.
5 Octave Mannoni, Prospero and Caliban: The Psychology of Colonization, trans. Pamela Powesland (Ann Arbor: University of Michigan Press, 1990), 31.
6 Mannoni, Prospero and Caliban, 108.
7 Mannoni, Prospero and Caliban, 65, 86.
8 Mannoni, Prospero and Caliban, 117.
9 Albert Memmi, The Colonizer and the Colonized (Boston, MA: Beacon Press, 1991), 150.
10 Memmi, Colonizer and Colonized, 93.
11 Memmi, Colonizer and Colonized, 4.
12 Memmi, Colonizer and Colonizer, 120–7.
13 Fanon, Wretched, 247–8.
14 Fanon, Wretched, 248.
15 Frantz Fanon, Black Skin, White Masks (London: Pluto Press, 1986), 94. 16 Fanon, Black Skin, 100.
17 David Macey, Frantz Fanon: A Biography (London: Verso, 2012), 418.
Objetivos do Autor
• Os Condenados da Terra é um manifesto político; seu objetivo é permitir que o colonizado reivindique sua humanidade por meio da violência.
• Fanon adota uma abordagem marxista*, mas a estende para
• Os condenados da terra foram fortemente influenciados pela obra de Jean-Paul Sartre,* especialmente sua Crítica da Razão Dialética.
Os Condenados da Terra, de Frantz Fanon, é um manifesto político. “Você não vira nenhuma sociedade … de cabeça para baixo”, argumenta Fanon, “se não tiver decidido desde o início.”1
Fanon queria passar o fim de sua vida lutando fisicamente com o movimento de independência argelino Front de Libération Nationale ( FLN),* mas “a liderança argelina… não deu atenção a esse pedido”, então ele transferiu sua fúria para os escritos.2
Fanon sabia que estava morrendo quando escreveu Os condenados e pretendia deixar a declaração mais forte possível de sua visão para o Terceiro Mundo.*3
Os objetivos locais de Fanon para a Argélia precisam ser entendidos em relação a esse projeto global.
O livro olha para além da Argélia, discutindo todo o “Terceiro Mundo” como um monólito, “voltado para a Europa”, cuja unidade subjacente é baseada na necessidade de resistência contra o colonialismo.4
“O que importa a Fanon”, pergunta Jean-Paul Sartre na introdução, “quer vocês [europeus] leiam a obra dele ou não? É para seus irmãos que ele denuncia nossos velhos truques.”5
Fanon, em outras palavras, está travando uma guerra de ideias e fornecendo um roteiro para a reumanização dos oprimidos no Terceiro Mundo.
A abordagem de Fanon é intrinsecamente e ao mesmo tempo parcialmente marxista*, a partir de que seu entendimento de que a luta entre as classes sociais desempenha um papel central na condução dos eventos históricos e é central para a conquista da emancipação (liberdade).
Para além de Marx,* entretanto, Fanon enfatiza o papel da raça; ele também acredita que “a análise marxista deve sempre ser desdobrada em sentido mais amplo toda vez que viermos a nos deparar com o problema colonial.”6
De acordo com a análise marxista, as instituições culturais são explicadas pelo sistema econômico subjacente; sob o feudalismo*, por exemplo, o camponês deve obedecer ao cavaleiro, então “uma referência ao direito divino* [a noção de que a autoridade é dada por Deus] é necessária para legitimar essa diferença estatutária ” que decorrem de arranjos econômicos.
Já no contexto colonial, não é apenas o arranjo econômico que define o colono como governante, mas também a identidade racial: “você é rico porque é branco, você é branco porque é rico”, e o seu status é determinado por ser “diferente dos habitantes originais”, não branco.
Na sociedade colonial, a principal categoria de análise é raça, não classe. No marxismo tradicional, a “superestrutura” (aquelas instituições em uma cultura produzida pelo sistema econômico — direito divino, por exemplo) existe, como argumentou a socióloga médica Kate Reed*, para “gerenciar o consentimento”.
Isso significa que o camponês acredita no direito divino tanto quanto o cavaleiro.9
As estruturas de poder colonialistas, no entanto, não são construídas com base no “consentimento”, mas governam por meio do “terror e desespero”.10
Fanon foi profundamente influenciado pela fenomenologia existencial* do filósofo francês Jean-Paul Sartre.
Essa escola de pensamento sustenta que nossas ideias sobre nós mesmos (por exemplo, pensar em si mesmo como negro) são o produto de nossas experiências vividas (ser descrito como negro por outros).
Fanon não se considerava negro, mas sim como Martinicano (um cidadão da Martinica), e assim se via como distinto dos africanos — até que os franceses brancos se referiam a ele apenas como negro.
Isso explica sua visão de que nem os negros nem os brancos “são” de uma certa maneira, e são suas experiências mútuas que produzem essas identidades ligadas à ideia de raça.
Se ser alto ou baixo significava que alguém experimentaria a vida de maneira diferente, então ser alto ou baixo estaria conectado a uma identidade de altura.
Os condenados é visto como particularmente intimamente ligado ao livro de JeanPaul Sartre, de 1960, Crítica da Razão Dialética, sua aceitação do marxismo e suas reservas a respeito.
Em particular, ele rejeita a ideia de que a humanidade está predeterminada a se desenvolver em uma direção particular por meio da luta de classes.
Interpreta-se que para Marx, escreveu Sartre, a razão é “baseada em uma afirmação fundamental” de que o destino é definido por uma coisa e se essa única coisa (no caso de Marx, a luta de classes) pode ser compreendida, então a natureza do destino humano pode ser compreendida.
Os seguidores de Marx “definem uma racionalidade do mundo”12 com base em apenas uma coisa( intersubjetiva inexorável ao real), mas a crítica de Sartre é que a razão dialética não abrange todo o escopo e a natureza da liberdade humana( enquanto totalidade).
Sartre via o marxismo( nestes termos como reverberação política)como uma negação fundamental de todo ser humano para definir a liberdade — “natureza humana” sendo uma escolha a ser feita por cada um.
Um dos conceitos-chave do livro de Sartre é práxis,* significando uma ideia que é posta em ação; de acordo com a filosofia marxista, podemos opor prática à teoria.
A práxis que interessava a Sartre era a “consciência prática” de se libertar das correntes e viver com a liberdade como objetivo.13
O filósofo britânico Robert Bernasconi* diz sobre os dois escritores: “Sartre teria reconhecido em Os Condenados da Terra mais ”a suas próprias ideias “do que qualquer coisa que ele escreveu na Crítica precisamente porque o livro de Fanon surgiu da ação em processo.”14
Em outras palavras, o apelo à revolução dos Condenados de Fanon foi um exemplo da “consciência prática” defendida por Sartre.
Os condenados encorajavam a liberdade humana, não de forma abstrata, mas na libertação das correntes de fato
Referências
1 Frantz Fanon, The Wretched of the Earth, trans. Constance Farrington (London: Penguin, 2001), 28–9.
2 Alice Cherki, Frantz Fanon: A Portrait, trans. Nadia Benabid (Ithaca, NY: Cornell University Press, 2006), 157.
3 Cherki, Frantz Fanon, 159.
4 David Macey, Frantz Fanon: A Biography (London: Verso, 2012), 465.
5 Jean-Paul Sartre, “Introduction,” in Fanon, Wretched, 11.
6 Fanon, Wretched, 31.
7 Fanon, Wretched, 31.
8 Fanon, Wretched, 31.
9 Kate Reed, New Directions in Social Theory: Race, Gender, and the Canon (London: Sage, 2006), 103.
10 Reed, New Directions, 104.
11 Robert Bernasconi, “Fanon’s The Wretched of the Earth as Fulfillment of Sartre’s Critique of Dialectical Reason,” Sartre Studies International 16, no. 2 (2010): 36.
12 Jean-Paul Sartre, Critique of Dialectical Reason Volume One, trans. Alan Sheridan-Smith (London: Verso, 2004), 20.
13 Sartre, Critique, 803.
14 Bernasconi, “Fanon’s The Wretched of the Earth,” 44.
Ideias e Conceitos
- Os temas que perpassam Os Condenados da Terra são principalmente psicológicos: raiva porque os colonizados se sentem inferiores; e a necessidade da violência como expurgo tanto do complexo de inferioridade quanto da situação colonial que o cria.
- • Fanon argumenta que somente a violência pode derrubar o colonialismo,* ele próprio uma instituição violenta.
- Não pode ser destruído nem por negociação nem por mudança iniciada pelas classes médias ocidentalizadas.
A retórica de Miseráveis tinha a intenção explicitar o espírito revolucionário dos povos colonizados e (segundo o filósofo Jean-Paul Sartre*) intimidar e envergonhar os leitores europeus.
Os temas principais de Os Condenados da Terra, de Frantz Fanon , envolvem a importância da dignidade e dos direitos humanos e os danos psicológicos causados quando estes são negados na relação colonial desigual.
A análise de Fanon sobre o colonialismo não se concentra nas oficinas ou nos campos, mas nas mentes dos colonizados.
“É uma negação sistemática”, diz Fanon sobre o relacionamento colonial, “e uma determinação furiosa de negar à outra pessoa todos os atributos da humanidade”. O colonizado deve “perguntar-se constantemente: ‘quem sou eu?’ ” à presença dos franceses.”2
Um dos outros temas críticos de Os condenados é a classe dentro deste contexto psicológico.
Fanon acredita que a relação colonial e, especificamente, a mentalidade do relacionamento colonial — não terminará se as pessoas que alcançaram alto status social sob o domínio europeu e alcançarem o poder.
Isso ocorre porque eles continuam a responder à pergunta “quem sou eu?” com a resposta “europeia”.
O campesinato rural, por outro lado, ainda se depara com a mesma questão e não tem os meios nem o desejo de se tornar europeu.
A solução de Fanon é tanto psicológica quanto política: a revolução violenta não apenas destrói o estado colonial, mas traz a catarse* (grosso modo, uma purificação) da fúria colonial sentida por aqueles cuja humanidade foi sistematicamente negada.
A violência
Uma das primeiras premissas da obra de Fanon é a violência: “a descolonização é sempre um fenômeno violento.”3
Por que isso? Fanon diz que é porque a relação colonial nasceu e é sustentada pela violência.
O “primeiro encontro” entre colonizador e colonizado, instituição mesma da relação colonial, “foi marcado pela violência”. Fanon escreve que “a exploração do nativo pelo colono” foi realizada “à força de uma grande variedade de baionetas e canhões”.4
Deste ponto em diante, a relação é nos termos do colono e ele ou ela detém todo o poder.
Porém, o colonizado, evidentemente, é um ser humano, portanto, possuidor de direitos e dignidade.
Ainda mais importante, eles e elas sabem disso( os colonizados) e, portanto, a disparidade entre os direitos naturais dessa pessoa e seu tratamento inferior produz primeiro raiva e, eventualmente, violência.
Para Fanon, isso significa que o “mundo estreito [do colonialismo], repleto de proibições” e sustentado pela violência, “só pode ser questionado pela violência absoluta”.
Nesse sentido, a concepção de Fanon do mundo colonial não pode aceitar compromissos ou acordos.
Sem a destruição completa do mundo colonial, acredita Fanon, nada pode ser alcançado. Há outra razão pela qual a não-violência não pode funcionar. É porque “as colônias se tornaram um mercado” para bens capitalistas* da metrópole.6
Com uma transferência acordada para o domínio nativo, os capitalistas (aqueles que lucram com o investimento e o trabalho de outros) esperam essencialmente que pouco mude, e o país colonial se tornará um novo país apenas no nome.
“Da conferência … vem a seletividade política que permite a Monsieur M’ba,* o presidente da República do Gabão”, ser oficialmente reconhecido pela França como chefe de um estado nominalmente independente.
Não há, porém, nenhuma diferença real no status quo e a mudança é meramente de teatro político simbólico.7
Quem, então, deve realizar esta revolução violenta? Fanon usa o termo marxista* “lumpenproletariado”,* significando o degrau mais baixo da sociedade; trata-se de pessoas que vivem muitas vezes em favelas urbanas ou no campo, uma “horda de famintos” que “constitui uma das forças mais espontâneas e radicalmente revolucionárias de um povo colonizado”.
A classe média colonizada, por outro lado, não pode ser uma pontade-lança eficaz e não daria governantes pós-coloniais eficazes.
“Em seu narcisismo obstinado”, escreve Fanon, “a classe média nacional é facilmente convencida” de que pode intervir e dominar o país.
No entanto, seu hábito de depender da classe dos colonos por seu status e sua relativa inexperiência significam que ela “enviará apelos frenéticos por ajuda à ex-pátria”,não investindo em termos radicais o suficiente para derrubar o colonialismo.
Tendo em vista isso, “não há nada a não ser um mínimo de readaptação, algumas reformas no topo, uma bandeira tremulando: e lá embaixo no fundo”, ou seja, o lumpenproletariado, “uma massa indivisa, ainda vivendo na Idade Média”.
Fanon escreveu Wretched retoricamente.* O livro não pretendia, nas palavras do historiador norte-americano Edmund Burke III,* ser uma “autópsia acadêmica”, mas era, ao contrário, um “chamado às armas” de forma pública que não visava ter um tom calmo e “racional” ( europeu) em relação as autoridades coloniais.
“O desafio dos nativos ao mundo colonial não é um confronto racional de pontos de vista”, mas sim, “a afirmação volitiva” da ideia de que este estado de coisas deve acabar.12
No final das contas, Wretched foi escrito não por crítica, mas por raiva( justificada). Na introdução do livro, Jean-Paul Sartre escreve sobre Fanon que ele, “um ex-nativo, falante de francês, dobra [a língua francesa do colonizador] a novas exigências, faz uso dela e fala apenas com o colonizado .”13
Mas, continua Sartre, há algo a ganhar com a escrita ardente para os europeus: “você [o leitor europeu], que é tão liberal e tão humano … você finge esquecer que possui colônias e que nelas os homens são massacrados em seu nome.”14 Leitores de nações colonizadoras, ele sugere, deveriam se sentir envergonhados e ameaçados por este livro.
Referências
1 Frantz Fanon, The Wretched of the Earth, trans. Constance Farrington (London: Penguin, 2001), 200.
2 Fanon, Wretched, 201.
3 Fanon, Wretched, 27.
4 Fanon, Wretched, 28.
5 Fanon, Wretched, 29.
6 Fanon, Wretched, 51.
7 Fanon, Wretched, 52.
8 Fanon, Wretched, 103.
9 Fanon, Wretched, 120.
10 Fanon Wretched, 118.
11 Edmund Burke III, “Frantz Fanon’s ‘The Wretched of the Earth’,” Daedalus 105, no. 1 (1976): 129.
12 Fanon, Wretched, 31.
13 Jean-Paul Sartre, “Introduction,” in Fanon, Wretched, 9.
14 Sartre, in Fanon, Wretched, 12
Ideias Secundárias
- Fanon está igualmente preocupado com o potencial do indivíduo para a libertação psicológica após uma revolução violenta e catártica* (isto é, uma experiência na qual os sentimentos negativos associados à dominação são expurgados) e com a própria revolução.
- • A cultura nacional será reconstruída por meio da violência como Outras ideias colonizados recuperem sua humanidade — mas enquanto o sentimento nacionalista* (a crença de que definir-se como parte de uma nação particular é de importância primordial) tem o potencial de unir os revolucionários, pode dificultar a formação de um estado coeso. • Os Condenados da Terra contém estudos de casos médicos, ilustrando a ligação entre o domínio colonial e a doença mental.
Embora The Wretched of the Earth, de Frantz Fanon , se concentre principalmente em incitar a revolução, ele também tem muito a dizer sobre o que acontece depois.
O que Fanon vê acontecendo psicologicamente com as pessoas, com a cultura nacional e com o novo governo? O mais importante , para Fanon, é que o povo da nova nação não “imite a Europa” nem se preocupe em “[alcançar] a Europa”, a descolonização* “é uma questão de o Terceiro Mundo* iniciar uma nova história do Homem”, que não “homenageia a Europa”, mas inventa novas formas de organização social.2
Isso leva Fanon a recapitular sua crítica à classe média nativa. O que se consegue com a erradicação violenta de uma sociedade colonial?
“O anticolonialismo nacionalista burguês* [classe média]”, escreve o comentarista sobre o colonialismo Neil Lazarus,* visa apenas suplantar os colonizadores e leva a um estado que é igualmente corrupto e explorador, e preso na escravidão de sua “pátria mãe”. ”3
O nacionalismo, acredita Fanon, é a identidade comum dos povos colonizados, unindo-os em uma luta comum.
Em última análise, no entanto, ele argumenta que o nacionalismo deve se transformar de um sentimento de orgulho e identidade compartilhada em um projeto comum (ele chamou isso de “consciência nacional”) para construir um estado funcional.
O que se consegue com a erradicação violenta de uma sociedade colonial?
Mais importante ainda, o indivíduo colonizado reclama a sua própria humanidade: “ele encontra a sua liberdade na e através da violência.”4 Fanon escreve que a violência é inerentemente catártica (ou seja, purgativa) para o sujeito colonizado: “ela liberta o nativo de seu complexo de inferioridade”, e a consciência das pessoas como um povo (e não como um problema, um servo ou um ser subjugado) é despertada.5
Os colonizados estão, nesse sentido, sendo libertados da desumanização: “Os termos que o colono usa quando menciona o nativo são termos zoológicos”, mas o colonizado “sabe que não é um animal; e é precisamente no momento em que se dá conta da sua humanidade que começa a afiar as armas com as quais assegurará a sua vitória.”6
A grande esperança de restabelecer a sua dignidade humana faz com que a violência do homem colonizado seja “positiva e criativa”, e “introduz na consciência de cada homem a ideia de uma causa comum”.
Essa causa é a criação de uma nação e significa que os revolucionários estão participando de um ato histórico.7
O nacionalismo, para Fanon, é um trampolim útil, mas pode ser prejudicial e deve ser substituído por uma consciência genuína das necessidades sociais e políticas, em vez da glorificação vazia de uma nação.
O ato de construção da nação por parte dos revolucionários é crítico.
É do interesse do colonizador, argumenta Fanon, afirmar que a colônia não era uma “nação” antes da chegada dos europeus e que, se os europeus saíssem, ela cairia no caos.8
Uma das tarefas principais é recuperar a cultura da nação, e construí-la através da revolução; não através simploriamente dos resgates da música, das histórias e outros artefatos culturais do passado, mas também mediante a luta contínua produtiva.
Ou seja, “a cultura nacional argelina vai ganhando forma e conteúdo à medida que as batalhas vão sendo travadas” contra os franceses.9
Embora a cultura nacional possa ser importante, Fanon é cético em relação ao nacionalismo. Ele acredita que os novos estados independentes correm o risco de serem capturados por seus líderes, o que significa que a vida do “lumpenproletariado”* não seria melhor do que durante o colonialismo.
Os líderes constroem uma força policial e um exército fortes.
“À força de empréstimos anuais”, o estado se sustenta, “os escândalos são numerosos, os ministros enriquecem… poder.10
Fanon escreve que a consciência nacional deve evoluir rapidamente “uma consciência das necessidades sociais e políticas”, incluindo a manutenção de um exército leal ao estado (em vez de seus generais), jovens bem-educados ( dentro da perspectiva anticolonial) diante de políticas econômicas inclusivas.11
A maior parte do foco acadêmico em Os condenados envolve seus capítulos anteriores, especialmente “Sobre A violência”.
O historiador médico Richard Keller,* no entanto, está mais interessado nos capítulos posteriores, onde Fanon, psiquiatra de profissão, relata estudos de caso de pacientes que atendeu sob o domínio colonial.
“Se Os condenados é uma diatribe contra a violência colonial”, escreve Keller, “é uma extrapolação da experiência empírica de tratar pacientes tornados disfuncionais por uma ordem social violenta.”12
Fanon acredita que esses estudos de caso são importantes, e o efeito único do colonialismo na psique foi ignorado: “Depois de duas grandes guerras mundiais”, escreve ele, “não faltam publicações sobre a patologia mental” dos envolvidos, mas a “guerra colonial” é diferente e da origem das condições novas e negligenciadas.13
Um dos estudos de caso, por exemplo, investiga o assassinato de um menino europeu por dois pares argelinos.
Todos estavam no início da adolescência. “Ele era um bom amigo nosso”, disse um dos meninos a Fanon, mas “um dia decidimos matá-lo, porque os europeus querem matar todos os árabes”.
Decidindo que não conseguiriam matar um europeu adulto, eles se contentaram com o amigo.14
Outro estudo de caso examinou um interrogador da polícia francesa que havia torturado revolucionários argelinos e, como resultado, sofreu um colapso mental.
“Este homem sabia perfeitamente que seus distúrbios eram causados diretamente pelo tipo de atividade que acontecia dentro das salas onde os interrogatórios eram realizados”, escreveu Fanon, mas “ele não conseguia parar”, pois isso lhe custaria seu trabalho.15
Por fim, os capítulos finais, como escreve Keller, revelam “a ligação entre a loucura e a violência colonial”.16
1Frantz Fanon, The Wretched of the Earth, trans. Constance Farrington (London: Penguin, 2001), 252. 2 Fanon, Wretched, 254.
3 Neil Lazarus, “Disavowing Decolonization: Fanon, Nationalism, and the Problematic of Representation in Current Theories of Colonial Discourse,” Research in African Literatures 24, no.
4 (1993): 71. 4 Fanon, Wretched, 68.
5 Fanon, Wretched, 74.
6 Fanon, Wretched, 33.
7 Fanon, Wretched, 73.
8 Fanon, Wretched, 169.
9 Fanon, Wretched, 187.
10 Fanon, Wretched, 138.
11 Fanon, Wretched, 164.
12 Richard C. Keller, “Clinician and Revolutionary: Frantz Fanon, Biography, and the History of Colonial Medicine,” Bulletin of the History of Medicine 81, no. 4 (2007): 837–8.
13 Fanon, Wretched, 202.
14 Fanon, Wretched, 217–18.
15 Fanon, Wretched, 215–17.
16 Keller, “Clinician and Revolutionary,” 830