Projeto Flórida, Michael Moore e a exclusão social capitalista. Nossa dica e análise de filme desta semana.
Considerado um dos filmes mais injustiçados do oscar de 2018, o filme de 2017 Projeto flórida nos trás uma discussão fundamental e necessariamente atual.
Filme do diretor Sean.S.Baker que já havia produzido Tangerine, um filme de 2016 considerado inovador por ter sido gravado com 3 iphones, Sean Baker embarca aqui em um projeto mais consistente.
Justamente por ter sido considerado um dos diretores mais ousados a partir de sua técnica cinematográfica ,recebeu a oportunidade de gravar um filme com maior acessibilidade de recursos e que contou com a parceria de um dos atores mais consagrados de hollywood o Willem Dafoe( anticristo- Lars von trier), apesar de o mesmo já ter se posicionado algumas vezes contra o modo predominante hollywoodiano de fazer cinema e ter aceitado papéis em filmes que se colocavam como críticos a este mesmo modo de fazer cinema.
Dafoe é um dos atores mais solicitados principalmente pra fazer papéis de vilões devido sua expressividade facial e que apesar disto, se torna grande nesta trama não por ser o mais famoso dentre os atores ( a maioria deles estava atuando pela primeira vez neste filme) mas por ter a capacidade de parecer mais um dentre os atores ou pessoas comuns na trama, o que colabora para o enredo se tornar mais “real” possível diante daquilo que se pretendia transmitir.
Bria vinaite, Halley(mãe) e Brooklynn Price, Moonee(filha) atuaram pela primeira vez neste filme, Bria Vinaite foi inclusive localizada pelo diretor em uma pesquisa no instagram e considerada uma figura adequada para o papel. Já a Brooklynn Price apesar de sequer ter sido indicada ao Oscar deste ano o filme lhe rendeu o Critics Choice Movie Awards na categoria de melhor performance jovem devido sua atuação considerada “ como uma força da natureza” neste filme.
Após esta breve apresentação entrando no enredo do filme e sendo inevitável alguns spoilers, a trama se passa em um local nas proximidades de Orlando próximo a disney, onde habitam pessoas com baixas condições de inserção social que vivem em “projects” que são locais de baixo custo que são alugados a estas pessoas, porém que inicialmente teriam o intuito de abrigar turistas provenientes das visitas ao mundo de conto de fadas da Disney.
Aqui o filme inicialmente nos joga na cara a ilusão que se põe diante de uma suposta glamourização de que aquele local seja um local dos sonhos, livre de problemas e divergências sociais.
O filme além de tratar de pessoas a margem social de forma clara e direta quando por exemplo a personagem da Bria Vinaite, Halley( Mãe) diante de um diálogo com a assistente social sobre a possibilidade e ao mesmo tempo exigência desta assistente social de que ela arranje um trabalho para que seja considerada digna de criar sua filha, nos faz refletir o quanto a realidade capitalista através de pressupostos meritocráticos que não correspondem por muitas vezes a realidade pratica dessas pessoas de classe mais pobre são absurdos, além de serem vitimas por nascerem em um contexto de maior dificuldade de ascensão social essas pessoas são responsabilizadas por não conseguirem o mínimo de sucesso que aquele contexto social as exige mesmo este mesmo contexto sendo causa de exclusão.
Isso também fica claro quando Bria Vinaite( mãe) tenta se instalar no hotel da frente e a personagem do Willem Dafoe, Bobby( gerente do Magic castle)tenta pagar a diferença do valor exigido pela nova dona do hotel onde ele havia selado “ uma parceria” que naquele momento foi rompida, fica claro que o rompimento não foi feito por uma questão de dinheiro mas por uma rejeição que há daquela personagem que é a nova proprietária do hotel referente “aquele tipo de pessoa” se instalar ali ( a Halley)ou seja alguém marginalizado que deve ser responsabilizado e penalizado por escolher ter uma vida miserável e criando uma rejeição mesmo por membros que poderiam ser considerados da mesma classe social, algo que a personagem do Dafoe,Bobby parece compreender apesar de ser um empregado do “Magic castle” e ter de cumprir ordens ele demonstra o mínimo de empatia por aquelas pessoas e também pelas crianças locais.
Capitalismo uma historia de amor
Outro tema abordado neste filme é da questão da desapropriação, em determinado momento as crianças invadem casas desapropriadas pelo estado americano e terminam provocando um incêndio algo que causa uma desestabilização no enredo, isto nos faz refletir sobre o contexto pelo qual aquelas pessoas podem não possuir residência fixa, mesmo que isso não as tenham afetado diretamente mas com certeza esse paralelo as afetou de algum modo indireto, pois é obvio que há pessoas sem residência fixa e casas abandonadas bem ao lado empossadas pela execução do meio financeiro, porém o filme não deixa claro que contexto é aquele de desapropriação( ou ao menos até o momento não sabemos), aqui faremos uma análise a partir de um documentário diante de uma perspectiva de Michael Moore sobre o que é o capitalismo real.
Em um documentário chamado “Capitalismo uma historia de amor” Michael Moore explora o colapso da economia mundial entre os períodos de 2007 a 2009, apresentando uma análise de como o capitalismo corrompeu os “ideais” de liberdade previstos na própria Constituição dos Estados Unidos, visando gerar lucros cada vez maiores para um grupo seleto da sociedade.
Neste documentário é abordada a questão do fracasso social por pessoas consideradas de classe média que tiveram suas casas executadas pela hipoteca por conta dos aspectos inevitáveis de exclusão do próprio sistema capitalista que se faz fundamental para sua manutenção ou seja a necessidade de gerar lucro as custas da miséria de outrem.
Alguns dos depoimentos deixam claro que muitas destas pessoas afetadas só adquirem uma suposta consciência de classe a partir do momento que são diretamente afetadas pela “desapropriação” de tudo aquilo que construíram “materialmente” durante todas as suas vidas, anteriormente a isso possuíam uma verdadeira “ história de amor com o capitalismo”.
É justamente isto que nos faz retornar ao filme, essa não empatia enquanto nos sentimos inclusos no chamado sistema capitalista por sermos mais uma engrenagem no motor capitalista nos faz possuir uma falsa sensação de auto realização e de merecimento e que as pessoas que se encontram numa situação miserável não tiveram a coragem de ter, ou seja, estão nestas condições por que escolheram ser miseráveis.
Sei que a abordagem aqui é feita a partir de um filme americano e uma realidade americana porém pode nos servir pra analisar os problemas capitalistas como um todo e pensar no nosso modo de agir perante a sociedade brasileira que possui suas particularidades e em toda a sua constituição econômica, politica e estrutural.
CONCLUSÃO COM SPOILER DO FINAL DO FILME
O filme termina de uma maneira magistral e sofrível, uma mãe marginalizada e aplacada por sua realidade social que não consegue emprego que não tem onde residir e precisa se virar pra poder não se desapegar da única coisa que a faz ter vontade ainda de existir( tendo em vista que uma pessoa nesta condição deve desenvolver traços depressivos, e a personagem demonstra isso)que é seu amor por sua filha, e encontra a única saída em escolhas duvidosas, começa a vender seu corpo naquele local, no mesmo local onde habita temporariamente enquanto a criança fica trancada no banheiro, através disso consegue manter sua estadia e um teto sobre a cabeça de sua criança que deve ter sua inocência preservada, porém é denunciada, devido a seu histórico de contravenções o estado americano aquele mesmo que colaborou para que aquela pessoa fosse excluída de todas as formas da sociedade resolve tirar a criança desta mãe e o faz.
A criança, Moonee( Brooklynn Price) ao perceber o que estava acontecendo e ao notar que nunca mais veria sua mãe se desespera e foge e corre para o único local onde conseguiria acalento ou abrigo a casa de sua amiguinha, Jancey( Valeria cotto) as duas dão as mãos e num acordo implícito decidem ir para o único lugar que estariam a salvo ou seja o mundo da fantasia da Disney, este ponto é extremamente forte o que nos salta os olhos referente a aquilo que Gonzaguinha diria “ eu fico com a resposta da pureza das crianças”. É exatamente isto que ocorre a pureza da visão de mundo daquelas crianças as faz irem para o único local que estariam a salvo do mundo real e ao mesmo tempo sequer vislumbram que aquele mesmo local é causa de sua realidade tão desigual, comovente, assistam.