UM CONTO EM RETALHOS
[Para ler em pausas]
Yvisson Gomes dos Santos
Licenciado em Filosofia (UFAL), Mestre e Doutor em Educação Brasileira (UFAL). É professor de Filosofia da SEDUC/AL. E antes de tudo, escritor de poemas e contos com publicações em revistas indexadas, bem como em antologias de ficção. E-mail: yvissongomes@hotmail.com.
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Algumas vezes, ocorrem pausas na visão como um vértice que se estende até à superfície da colina. Essas pausas tremem os recintos silenciados. Nenhum olhar evoca o “pausar” das aves, dos pássaros das cidades na diuturna caminhada do homem em sua solidão — marco zero de uma andança que não se sabe o significado que dela se depreenderá. Apenas uma solidão com histórias de contorções em espectro ensimesmado. Esse espectro é de pausas constantes, e os pássaros estão sem ver o homem solitário — aquele que flana. A colina pela Ciência da Geografia é um Tabuleiro — uma terra próxima ao céu em comparação à epiderme do solo marítimo. Uma audaciosa percepção que não tem um afeto específico, mas uma constatação estrangeira. Sou um caracol que, vez por outra, coloca a cabeça para fora de sua caserna e contrai suas pupilas com o sol nascente. Algumas vezes imune ao mundo, tomo rédeas e saiu do local em que me encontro. Pausa. Bem pausadamente, admiro o planeta em horizontes. É um abismo quase bíblico, contudo me refresco com o idílio da leve ventania desse abismo. Quando papai era vivo, sempre chegava nas festas as quais era convidado com uma hora de antecedência. Não era caracol. Eu, ainda, sou. Mas a lua é simples em comparação ao mundo dentro do meu habitat. Por que a lua me meio a escrita? Dizem ser a lua um objeto de loucura, feita de queijo com crosta aveludada, um Camembert, talvez. Ah! Mas dentro da órbita de meu casulo, tudo é rarefeito. Tenho locais preferidos: uma sala amistosa e um quarto barulhento. Sempre têm pausas. Caracol gosta de pausas. Decerto, no meu quarto mora um Aristides — não sei de que romance ou conto literário esse nome me veio — sem problemas –, um Luís da Silva cairá melhor em homenagem ao Mestre Graça. Vamos ver: esse Luís da Silva mora comigo no meu quarto. Algumas vezes trocamos figurinhas, outras vezes o afugento de mim. Faz-se necessário uma paz na solidão. Custa imaginar uma paz sem o Luís da Silva? Eu acredito que sim. Seria uma impostura, acaso falasse ao contrário. Nós homens precisamos de um sossego que a demora explica, mas um barulho é bom que exista — paradoxos. Ligo o toca-discos antigo, e ouço de tudo que me é possível. Rosinha, a faxineira, reclama. Pois não gosta de algumas músicas quando se referem a óperas ou operetas. Chamo-a de inculta? Jamais! Agora quando ela invade meu aposento de dormir, já adianto: “Pausa, mocinha. Aqui tem regras. Nada de limpar meus vinis. Isso é comigo”. Ela nem confiante da minha interpelação, desfaz tudo a seu modo. Muda móveis, livros e discos. Afirma não ter paciência para as minhas exigências infantis. Preciso me conter senão a devoro feito uma ave de rapina em carcaça de porcos malcheirosos. Pausa. Paciência. Bem, daí vem a sala de estar. Tomo um iogurte de morango, uma fruta da estação e espero Rosinha sair de meu quarto. Quanto a Luís da Silva, xiii!!! Já se foi para o boteco tomar uma aguardente. Logo nos dias de semana? Isso é para poucos. Ele tem suas mulheres por debaixo dos panos — um talarico. Pois bem: o dia é da Rosinha, meu e do talarico. Nada se desmorona facilmente, pois tenho minha filha. Logo fará 27 anos. Médica. Casada. Pausa. Todavia sem me dar netos — melhor assim. Filhos são dádivas de Deus; preferi ter uma, somente. Dia desses escrevo sobre minha esposa. Pausa. Nem tudo é para agora. Vou voltar a caserna, depois penso nas palavras e nos signos que darei a minha companheira que anda trabalhando demais. Eu fico com a lancinante sensação do gosto do cigarro e da fumaça que a vejo com suspeita. Nunca faz círculos ao ar. Teima em ser reta e delgada. Obra do destino. Pausa. Que susto! Alguém jogou fogos de artifícios na rua. Meu Deus, já são nove e meia da manhã! Que sonho obtuso e louco que tive. Nem sei o que dizer. Pausa. Ora, eu pensei ser tudo isso que escrevi, mas nada se comparou ao vinho tinto da noite, talvez o causador desse abraço de Morfeu. Não obstante, o confiável e o verdadeiro mesmo desse sonho é o cigarro. Eu vou tomar banho, desjejuar e pitar para inquirir se estou dentro ou fora de mim — questão de pausa. Questão de caracol. Pergunto, agora, coçando a testa: mas como me dei conta que escrevia estando eu dormindo? Uma pausa desconfiada se mescla na colina e na epiderme do solo marítimo dessa escrita lenta e irruptiva.